domingo, 11 de novembro de 2007

Poesia Matemática

Poesia Matemática
Millôr Fernandes


"Às folhas tantas do livro matemático um Quociente apaixonou-se um dia doidamente por uma Incógnita.


Olhou-a com seu olhar inumerável e viu-a do ápice à base uma figura ímpar;olhos rombóides, boca trapezóide, corpo retangular, seios esferóides.


Fez de sua uma vida paralela à dela até que se encontraram no infinito.


"Quem és tu?", indagou ele em ânsia radical.


"Sou a soma do quadrado dos catetos.Mas pode me chamar de Hipotenusa.


"E de falarem descobriram que eram(o que em aritmética corresponde a almas irmãs)primos entre si.


E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento e da paixão retas, curvas, círculos e linhas sinoidais nos jardins da quarta dimensão.


Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana e os exegetas do Universo Finito.


Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.


E enfim resolveram se casar constituir um lar, mais que um lar, um perpendicular.


Convidaram para padrinhos o Poliedro e a Bissetriz.


E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro sonhando com uma felicidade integral e diferencial.


E se casaram e tiveram uma secante e três cones muito engraçadinhos.


E foram felizes até aquele dia em que tudo vira afinal monotonia.


Foi então que surgiu O Máximo Divisor Comum freqüentador de círculos concêntricos,viciosos. Ofereceu-lhe, a ela,uma grandeza absoluta e reduziu-a a um denominador comum.


Ele, Quociente, percebeu que com ela não formava mais um todo,uma unidade.


Era o triângulo, tanto chamado amoroso.


Desse problema ela era uma fração, a mais ordinária.


Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade e tudo que era espúrio passou a ser moralidade como aliás em qualquer sociedade."



Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, pág. sem número, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo